por Tiago Eurico de Lacerda
E-mail: tel.filosofia@gmail.com
Há muito tempo não alimentava
o blog com meus textos, então decidi relatar uma experiência recente. Numa sessão
de auto-hipnose com PNL (Programação Neurolinguística) eu coloquei o seguinte
desafio: “gosto de escrever, mas no momento eu encontro um bloqueio”. Para contextualizar
melhor meu desafio, estou terminando o meu doutorado e a escrita neste momento
é o fruto visível que posso colher dos estudos feitos nos anos anteriores. Mas as
coisas não funcionam simples assim. O “querer” não é suficiente para escrever
uma tese, há uma vida nesse processo e todo o processo da escrita passa a ser
também um processo terapêutico de descoberta de si. Voltando à minha
descoberta, percebi que nas sessões terapêuticas utilizamos muito a imaginação
e dialogamos conosco mesmo (ou melhor, com nosso inconsciente) o tempo inteiro
para buscar respostas que sempre estiveram ali guardadas, mas, que no instante
presente não sabemos utilizar tais recursos. Vou contar o processo da minha
sessão (autossesão) e isso poderá colaborar com alguém no desenvolvimento de um
autoconhecimento e superação dos desafios encontrados, serve até para destravar,
fazer parir, um texto muito difícil de nascer. Eu poderia até intitular este
texto como a maiêutica da liberdade, mas isso é outro “desafio” que talvez
abordarei num outro texto.
A técnica que utilizei comigo é
a “conversando com os sintomas”. Eu precisava descobrir o que estes “bloqueios”
queriam me dizer, isso mesmo, me dispus a conversar com os meus “desafios”,
assim, quem sabe, poderiam me ajudar a me compreender melhor. E nos instantes
que eu tentei imaginar um objeto para simbolizar o meu desafio, isso faz parte
do processo, eu vi imediatamente um grande aquário de vidro na minha frente. Eu
olhava para o aquário e via que ele estava vazio e era transparente, mas em alguns
instantes eu me via dentro deste aquário, sentado numa cadeira. Bom, olhando
por fora eu via através do aquário, mas por dentro eu não conseguia ver o que
estava por fora. Comecei a entender o porquê a imagem deste aquário simbolizava
então os meus “bloqueios”. Dissociado da experiência eu fui ao teto para me ver
de lá, e descobri uma coisa incrível, o aquário não tinha tampa! (Tive aquários
em minha infância e eles tinham uma tampa, telhado para impedir que os peixes
pulassem, acreditem, alguns ousavam!). E mesmo assim eu não tentava sair de lá,
apesar de querer. E do teto, olhei para mim, deitado na cama, que era a posição
em que eu estava para realizar esta técnica, e percebi que meu semblante era de
alguém que naturalizou a prisão (o aquário turvo por dentro) e a romantizou de
tal forma que a chamava de liberdade. Vou explicar melhor...
Fiz uma rápida analogia ao meu
signo, aquário (não que eu siga o horóscopo, mas no intento de usufruir da
imaginação ao máximo, pensei que seria interessante) e lembrei de algumas características
que sempre ouvi falar sobre este signo: primeiro, porque pertencem ao grupo
representado pelo elemento da natureza, ar. Segundo, que as características dos
que pertencem a este grupo seriam: dinâmicos, sociáveis, pouco práticos,
diplomáticos, artísticos, vendedores, geniais, intelectuais, podendo ser até
frios em seu aspecto negativo. Mas o que isso tudo tem a ver? Aproveitei a
imagem do aquário para pensar. Eu sempre imaginei que era livre, mas vivia
pulando de um aquário para outro durante muito tempo da minha vida. Como assim?
De dentro do aquário eu não via a realidade como ela era, pois, a vista era turva,
mas de fora, todos me viam normalmente, inclusive alguns achavam que eu tinha as
características supracitadas do meu signo, porque já me falaram, mas eu não
achava isso.
Voltando à sessão... foi aí
que eu desci do teto e “entrei” no aquário, neste instante eu era o próprio aquário
olhando para o Tiago deitado na cama. Eu perguntava ao aquário porque ele era o
meu bloqueio... e a resposta? Ele me disse: “não sou, ele (o Tiago) que pensa que sou o seu bloqueio”. Foi neste
instante que o próprio aquário me mostrou o limite do vidro e me disse que nada
impedia o Tiago de pular ou sair quando quiser, mas que ele estava acomodado. Perguntei
também como ele (o aquário) poderia ajudar o Tiago? O que queria dele? E por
que o Tiago sentia bloqueio para escrever? A resposta foi simplesmente assim: “ele cria os mundos, porque “não pode ver” o
mundo como é daqui de dentro, assim, ele se refugia na escrita para elaborar
mundos que fazem sentidos para ele, por isso vive de aquário em aquário,
ressignificando o mundo para sobreviver constantemente. Consequentemente, ele
bloqueia, sem necessidade, outras interpretações de mundo, porque criou em sua
cabeça uma ideia de que o vidro o prende, ou que o vido é turvo de dentro para fora,
mas isso não é verdade. ‘Turvo’ é a
estratégia psicológica que ele criou para se livrar das críticas sobre o seu
texto (o seu mundo). O medo da repreensão o fez não querer ver ou saber a
reação da crítica (dos outros que estavam foram do de seu aquário), porque aprendeu
um conceito errado de crítica na infância e ainda ouve os seus ecos”. Neste
momento eu agradeci as palavras do aquário (meu insconsciente) e voltei ao
teto, de lá a imagem do aquário havia mudado. Não era tão grande e de aspecto
prisional como antes. Voltei ao Tiago que estava na cama e senti que algo havia
mudado. Ao olhar, pela imaginação, para o aquário (seu bloqueio), ele estava
pequeno, e cabia em suas mãos.
Ele poderia levá-lo para
qualquer lugar e não foi preciso nenhuma estratégia mirabolante para pular ou
quebrar os vidros, até mesmo porque o “aquário” faz parte da experiência de
vida do Tiago, e é o objeto que o lembra que ele pode a todo instante transitar
mundos diferentes e se expressar sem o medo da crítica alheia. E mais do que
não temer à crítica, é esperar recebê-la (aguardar, no sentido de sabedoria),
não no significado das que recebia na infância, mas na perspectiva de que são
necessárias para crescer e melhorar. Agora os elogios lhe parecem mais turvos
que a própria crítica e contempla as possibilidades de prosperar nas
adversidades como parte da pluralidade de pensamento e crenças.
Mesmo que agora, olhando por
dentro, a imagem do mundo e dos outros não esteja turva, o medo da adversidade
se transforma em possibilidades. Escrever para não se confrontar é o mesmo que
não se permitir a pensar, é o mesmo que se aninhar ao sistema e reproduzir e,
não viver. Assim, a conversa com o meu “sintoma” me fez perceber que não é
cortando o problema que resolvemos a questão, mas compreendendo as versões,
entendendo o que o “desafio” quer de nós, pois nenhum desafio é eterno. Se ele
vem, é porque quer comunicar algo, sabendo disso, podemos progredir. Descobri que
nossa liberdade não acontece sem passar pela angústia. Lembro de Sartre falando
das nossas escolhas e de como imaginamos a sociedade desde nosso mundo, e de
como nos moldamos pelo olhar do outro, de como temos medo de revelar nossas
fraquezas através da convivência e que o outro se visto como nosso inferno pode,
ou impedir de realizarmos nossos projetos ou pode também nos lançar além de nós
mesmos, ou quem sabe em nós mesmos ocultos em nós.
E querem saber se me desfiz de meu aquário? Não
posso, descobri que sou meu aquário, ou seja, sou meus desafios e soluções e
que os outros são ocasiões de novas possibilidades.
Obs.: A imagem utilizada nesta postagem nos apresenta Morgan, um homem que está preso dentro de um pote
transparente e que vive uma série de dilemas ao tentar escapar dessa situação
um tanto inusitada. Inspirado em “A Metamorfose”, de Franz Kafka. Esta animação é dirigida por Vanessa Gomes. O
curta-metragem "Morgan" foi concebido como o resultado de uma ampla
pesquisa teórica realizada com o seu trabalho de conclusão do curso de design
oferecido pela Faculdades de Campinas (FACAMP).
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